12 agosto, 2012

[Cidade de Sangue] Você fala demais!


Eu não estou fazendo isso.

Eu. Não. Estou. Fazendo. Isso.

Eu não estou fazendo isso!

Repetia isso mentalmente cem vezes, cada vez com mais ênfase, no entanto eu continuava ali naquele escritório, espiando aquela sala entediante e aquele mantra pouco me servia, era como dizer em voz alto uma confissão e não ter ninguém para ouvi-la.

Olhei para a papelada na mesa e continuei a ler, tentando juntar os fragmentos daqueles crimes a sangue frio. Havia tantos documentos, tantas fichas depoimentos que tudo aquilo me dava sono.

Margareth Rosalie Grand-Rey, 19 anos, solteira... encontrada com a garganta cortada à 1 hora e 56 minutos do dia...

– Posso ajudá-la? – uma voz grossa se manifestou e eu me assustei.

Virei-me e dei de cara com ninguém mais, ninguém menos, do que meu querido motorista ressuscitado. Era só o que me faltava. Ele estava com uma cara cansada, com olheiras e uma sonolência evidente.

– Você! – ele exclamou mais surpreso do que eu. – O que faz aqui?

– Fiz uma solicitação a esse distrito à dois dias. Estou me apresentando hoje para trabalhar no caso 478.

– Não vi solicitação alguma, senhorita...?

Detetive Dominique Armstrong – falei malcriada e suspirei, tirei da minha bolsa um papel e entreguei a ele. – O Delegado fez questão de que colocar nesse caso.

Enquanto ele lia o documento continuei a olhar a sala.

– É, realmente... O Delegado não se encontra no momento, mas a assinatura consta aqui. Bem vinda, Armstrong. Não faço ideia de onde colocá-la para trabalhar, mas...

– Essa sala parece ótima, tem uma vista legal e bastantes provas para eu averiguar.

– Essa é a minha sala.

– Que bom! Hey, quantas vítimas tiveram a garganta cortada, isso é um padrão, certo?

– Até agora 22. E sim, é um padrão.

– A garganta, vítimas mais jovens que 20 anos, todas de procedência estrangeira.

Falei tudo aquilo enquanto folheava aquela montanha de papéis.

– Está apenas repetindo o que já sei, Armstrong.

– Cale a boca – falei irritada continuando a ler e sentei-me na mesa.

Percebi a irritação dele começar a crescer, eu o irritava? Ótimo! Isso era totalmente recíproco.

Quanto mais eu tinha acesso aquele material, mais eu me impressionava. Tudo indicava que um vampiro era o culpado, mas quem faria aquilo? Quem seria o idiota que estava nos expondo tanto assim?

– Quem são os acusados até agora?

O homem pareceu desconfortável e uma raiva era notável nele.

– Não temos nenhum ainda, mas...

– Nenhum? Quem diabos é o Investigador responsável por esse caso? Deveriam demiti-lo!

– Prazer, Blake Evans, Investigador Policial – ele falou entediado e sem fitar-me.

Caí em gargalhadas e ele finalmente olhou-me. Era incrível vê-lo tão descontrolado. A face totalmente desconcentrada por minha causa.

– Eu deveria prendê-la por fazer graça com um policial.

– Prenda-me, querido. No entanto demorará séculos para resolver esses crimes sem mim.

– Nunca ouvi falar de você, por que deveria confiar em uma detetive desconhecida?

– Por que minha habilidade é encontrar rastros e embora eu não tenha nome no mercado, já resolvi os mais difíceis quebra cabeças em delegacias parecidas com essa.

– Não acredito nisso, não parece ter nem 25 anos, quanto mais ter resolvido tantos crimes como se gaba.

Okay, ele queria uma briga! Pois era exatamente isso que ele conseguiria.

– Escuta aqui!

Levantei-me com raiva, coloquei minhas mãos sobre a mesa, toda a minha pose era intimidadora, mas ele nem sequer encolheu-se, apenas manteve um olhar atrevido.

– Eu posso fazer o tipo garota indefesa, a garota que se acha incrível e que faz menos do que fala, mas não sou, se eu falo algo, acredite! Mentiras não fazem parte do meu dialeto.

– Acho melhor acalmar-se.

– Para que? Para ouvir um policial idiota me criticando? Julgar alguém pela aparência é ridículo, todos sabem disso e você deveria ser o primeiro a perceber, essa é a nossa diferença, Evans! Eu penso antes de rotular alguém, penso com a cabeça de um criminoso e é exatamente por isso que estou a um passo a frente, sempre!

– Não deveria me dizer como me comportar! Você é uma estranha aqui, e esse é o meu escritório. Não me conhece, não conhece meu pessoal, tampouco a forma como trabalhamos. É você que está julgando aqui, não eu. Não sou eu o assassino nem você a vítima, então se ponha em seu lugar, Srta. Armstrong, e não me tome por um qualquer. Sou seu chefe, para todos os efeitos.

“Sou seu chefe”

“Sou seu chefe...”

Aquilo ecoou em minha mente e teve um efeito totalmente desastroso.

“Uma ova!” gritei em pensamento e peguei meu casaco e minha bolsa.

– Onde está indo? – ele perguntou agora mais surpreso ainda, embora agora não gritasse.

Era como uma criança assustada, pego numa de suas artimanhas. E vê-lo assim, sem gritar, temendo o que eu faria, era uma das melhores sensações do mundo, embora também me doesse o coração.

– Irei trabalhar, chefinho. Longe daqui para não atrapalhá-lo.

– Espere, eu não... – ele ia dizendo, mas o deixei para trás.

Eu não precisava daqueles malditos arquivos, eu mesma iria investigar com meus instintos.

Saí daquela sala às pressas, mal prestando atenção em meu caminho. Arrogante! Estúpido! Prepotente! Era só o que me faltava! Ser funcionária de um louco ridículo!

Sentei numa mesa qualquer e respirei fundo. Fechei os olhos, tentei acalmar-me. Eu poderia sentir a adrenalina em meu corpo e todos os meus músculos serem acionados para a violência. Eu não poderia deixar meu lado vampiresco aparecer, seria estúpido, perigoso demais nessa cidade de caçadores.

– Hey! – uma voz nova soou perto de mim e senti meus pelos se eriçarem.

Quem me fitava era um homem elegante e belo. De belos olhos claros e um ar totalmente jovial e decidido.

– Quem é você? Uma milagreira? – ele foi dizendo e franzi o cenho, não entendo nada.

– Como?

– Como pergunto eu. Como conseguiu fazer com que o calmo Blake Evans erguesse a voz? Posso contar nos dedos quantas vezes já vi isso, mas como hoje... nunca.

– Talvez... talvez falte alguém para colocá-lo na linha, para dizer o que ele merece ouvir...

Ele fitou me, arqueou uma sobrancelha e sorriu de forma superior, o que não me agradou decididamente.

– Blake não merece ouvir nada, senhorita. Não sei o que ele lhe disse que a insultou tanto, mas ele é o único aqui que não merece ouvir um discurso como o seu de agora há pouco.

– Não precisa defendê-lo, ele já sabe fazer isso muito bem sozinho, meu senhor. E se eu disse algo, é porque eu deveria dizer, palavras não são apenas palavras, como dizem, são fatos, são alarmes, são avisos. Ele é o que é, e eu não vou com sua cara, nem com a dele – falei e mais uma vez juntei minhas coisas e entrei na primeira sala que vi.

Eu estava no inferno!

Meu celular tocou, tirando-me de meus pensamentos.

– Como vai, minha gatinha?

– Ethan! Mate-me! – falei choramingando.

– Por que, vampirinha? Os tiras querem te prender já?

– Haha, very funny! – disse sorrindo. – Antes fosse isso. Mas não, esqueci de um fato estressante, tenho que lidar com humanos para conseguir desvendar o crime.

– E que mal há?

– Bem, por causa de um humano estúpido virei vampira, por causa de outro humano mulherengo quase morri também e por causa de uma humana estou nessa cidade repleta de sangue, quer mais detalhes?

– Você está tensa, Nick.

– E você me deve muito.

– Já achou algo?

– Não. E Ann? Já aceita o fato de que ela é uma bruxa travessa contatando criaturas das trevas?

– Cale a boca!

– Mas o que...

– Adeus, Nick!

Tu tu tu. Maldito! Desligou.

Suspirei, eu precisava de férias, belas férias numa casa de campo, ou talvez na Europa!

Abri a porta e refiz o caminho para a sala de Evans. Se eu iria trabalhar aqui, não perderia tempo.

Bati na porta e ele a abriu. Seu rosto ainda estava tenso, ele ainda possuía uma ruga de preocupação e um olhar cansado. A quantas horas será que ele estava acordado?

– Eu não me importo com o que diz, e preciso que guarde suas palavras, seria bem mais fácil, Evans.

– Trato feito. Eu fico quieto. Você também.

– Certo. Agora me diga, há um lugar comum aos crimes?

Ele arfou e olhou para fora da sala, puxou-me pelo braço e esse simples toque acionou minha magia que tanto lutei para manter estabilizada. Eu sentia as forças fracas dele, e também seu humor. Eu podia ver sua aura iluminada e isso, estranhamente, era como vê-lo pela primeira vez.

Os cabelos maiores do que o padrão para os homens, os olhos maduros e cheios de uma inteligência invejável, a expressão concentrada e esperta, prontos para analisar qualquer um.

E repentinamente eu me via duvidando de meus poderes, vampiros poderiam ser bipolares, e como podiam! Mas aquele humano... talvez também o fosse.

– Eu não confio em você – ele foi logo dizendo e trancou a porta. – Não gosto do seu jeito atrevido, das suas ações malcriadas e infantis. Você não parece ser uma detetive, não parece ser ninguém com quem eu já tenha convivido. Parece ser uma garota de colegial que todos os garotos olham.

– O que combinamos sobre as palavras? Somente o essencial.

– Foda-se, não sou bom com promessas. Sinceridade prevalece. E de qualquer modo, é você que fala demais! E por isso não sei se devo compartilhar...

“Eu falo demais? Ridículo!”

– Vou formular minha pergunta – eu o interrompi com ódio. – Green Park é o local comum a todos os crimes?

Ele me olhou espantado, eu via em seus olhos a verdade, sim, era um lugar comum, mas havia algo a mais.

– Há algum outro local de crimes?

Ele fechou a cortina de sua janela com força e massageou as têmporas.

– Como sabe tanto? Apenas olhou os documentos oficiais, mal os leu, e já conhece quase tudo o que temos.

– Vocês têm poucas informações! – eu falei e fui até os papeis. – E eu não faço nada pelas metades.

Comecei a retirar todas as fichas. 22 delas estavam a minha frente. 8 homens, 3 crianças, 11 mulheres. Os homens tinham características diferentes. Altos, baixos, de classes diferentes, não havia padrão ali. As crianças, no entanto, eram todas meninas. Todas com características semelhantes, todas loiras. E as mulheres... mais jovens que 20 anos, ruivas.

Eu sentia Blake fitando a mim e não aos papéis, ele queria ver minha expressão, o que eu faria com aquelas informações.

– Acho que temos mais do que um criminoso aqui, Evans.

– Como sabe? Seria uma quadrilha, então?

– Talvez, mas olhe as fotos. Os ferimentos das mulheres são idênticos e elas são todas parecidas, todas com cabelos claros, estatura mediana e...

– São ruivas. – Blake falou e eu rolei os olhos.

– Sim, são. E os homens, não há padrão entre eles. Possuem machucados parecidos com os delas, mas também apresentam outros ferimentos, outras marcas.

– De dentes.

– Exatamente, seja quem for o culpado, julgo que seja insano ou perturbado, não sei o que pensar ainda.

Fiz uma pausa. Verdades e mentiras. Eu estava num jogo perigoso, qualquer palavra minha poderia ser a perdição. Evans era esperto, ele provavelmente já havia concluído tudo aquilo antes. Estava apenas avaliando a mim naquele momento, minhas habilidades, meu raciocínio.

– Você pode ser uma vitima – ele falou calmo, olhando-me atentamente.

Mantive meu olhar frio e calmamente me virei para ele.

– Tenho mais de vinte anos.

– Esse pode não ser um padrão verdadeiro, talvez idade não importe.

– Eu. Não. Sou. Uma. Vitima – falei entredentes e ele olhou me profundamente.

– Eu não estou brincando, Armstrong. Pessoas somem nessa cidade.

– Isso parece ser uma ameaça – eu disse e ele jogou os braços para cima.

– Ótimo! Você distorce tudo o que falo, faça o que quiser então.

– Ótimo!

Falei com raiva e sentei-me do chão, onde espalhei mais papeis, fotos e tudo o mais que encontrei, a sala estava uma bagunça, mas eu pouco me importava, era a sala dele mesmo, não minha.

Fiquei entretida com todo aquele quebra cabeça e quanto mais eu lia, mais eu percebia que aquilo tudo era mesmo obra de vampiros, mas não simples vampiros, eram experientes, espertos.

Mas aquilo tudo era a custo do que? Havia sangue em qualquer lugar, por que escolher Noctem? E por que mulheres apenas?

– Hey, até que horas pretende ficar aqui? – Blake perguntou bocejando e eu olhei para a janela, já havia anoitecido e eu mal percebi.

– Você pode ir embora se quiser.

– Minha sala fica trancada, ninguém entra aqui sem permissão.

Suspirei e larguei a papelada, juntei tudo o melhor que pude e deixei em cima de uma mesinha.

– Certo, já vou indo e você pode trancar sua linda sala – falei e peguei minha bolsa.

Ele trancou tudo e me seguiu.

– Descobriu algo?

– Nada novo. Quem sabe tenho sorte de achar algo no parque.

– Há essa hora? Nem pensar! Está escura e você morreria.

– Minha morte seria reconfortante para você, admita.

– Se você morre, não resolvo o caso, lembra-se?

– Uau! Já admite isso ao menos – falei rindo e olhei para o lado.

Sentada numa das cadeiras estava a garota loira da minha visão, Ann Walker. O que diabos ela fazia numa delegacia.

Ela olhou na minha direção e levantou-se rapidamente, no entanto não era a mim que ela se dirigia.

– Blake! – a loira gritou. – Pelo amor de Deus, me tire daqui.

– O que fez desta vez, Ann? – Blake perguntou zombeteiro.

– Nada, você me conhece.

– Ann...

– Okay okay, querem me fichar, Blake, eu estava com... hmm, bebidas, mas...

– Ann! – Blake estava irritado e eu me interessava mais ainda pela garota. Seria ela uma encrenqueira?

Alguém surgiu atrás dela e reconheci o cara que estava com Lory noites atrás, como era mesmo seu nome? Eu não me recordava. Entretanto eu lembrava-me de sua expressão, loiro, olhos azuis, rosto alegre.

– Não acredito! Lucas Chapman, bem que isso devia ter dedo seu, eu não te disse Anna Marie? Ele é problema! Heather já sabe disso?

– Luke não é problema algum, ele é meu amigo e não estaria aqui se não fosse por minha culpa! E Heather não precisa saber de nada.

– Você tem 16 anos, é lógico que sua irmã precisa saber!

– Blake, eu pedi sua ajuda, não um sermão...

– Mas é exatamente isso que estou fazendo, é a segunda vez já, Ann...

– Chega! Eu mesma resolvo isso! – a garota gritou e pela primeira vez percebeu minha presença.

Ela congelou na mesma hora, seu olhar ficou fixo em mim e me senti totalmente desconfortável.

– Quem é ela, Blake? Sua namorada?

A voz de Ann era firme, zombeteira, e ela exibia também um sorriso.

Blake por sua vez ficara repentinamente nervoso para responder o que quer que fosse.

– Não... ela não é nada, é só... uma colega, ela é uma detetive.

Omg!

Ele estava nervoso e atropelando nas palavras? O que diabos isso deveria significar?

– Sou Dominique Armstrong...

– Hey! Eu te conheço – o tal Luke começou a dizer e Ann o fuzilou com o olhar, querendo explicações. – Você é amiga da Lorena, onde ela está falando nisso?

Todos olhavam para mim e me senti novamente como a pior amiga da face da Terra.

Onde Lorena estava? Eu não a via há dias!

– Eu adoraria responder, mas ela não me atende, sabe?

– Está desaparecida? – Blake perguntou interessado demais.

– Apenas porque quer! – respondi antes que ele pensasse que Lory era mais uma mulher sumida. – Olhe a hora! Preciso ir, boa sorte ajudando esses dois, e prazer! – falei sorrindo e comecei a andar.

– Você não vai ao parque! – Blake gritou.

– Sorry, querido, mas eu vou sim! – respondi piscando um olho.

Tudo o que vi foi ele suspirar irritado.

Ele me odiava.

Não deveria se preocupar tanto assim, certo?

Eu não era uma humana.

Não deveria parecer indefesa a ele.

E eu era também uma caçadora natural.

E por isso, ele deveria é ficar longe de mim, muito longe!

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