28 outubro, 2011

Cap. 2 - Senhora da Noite






Sem carro, suja e também descabelada. Essa era a minha imagem agora, porém eu não desejava voltar para casa tão cedo. E exatamente por isso eu entrava agora na casa de Ethan. Anunciar-me era desnecessário, não precisava chamá-lo, ele apenas me sentia, presença, cheiro e poder. Ethan era uma das poucas razões de eu ainda estar naquela cidade. Festas, bebidas e pescoços à vontade eram coisas tentadoras, mas apenas Kate e Lorena apreciavam isso com um prazer enorme ultimamente.
Entrei na sala e o vi no sofá, com uma mulher loira nos braços. Os lábios dele estavam sobre a pele do pescoço dela e o odor de sangue era intenso. A garota era uma humana linda, possuía curvas belas e um corpo realmente tentador para qualquer homem.
– A que devo a honra dessa visita tão deliciosa? – Ethan dissera dois segundos depois, afastando delicadamente sua boca ensanguentada da pele dela e lançando a mim um olhar sedutor, porém assim que viu meu estado ele simplesmente fitou-me indagador.
– Não pergunte – falei simples e direta, seguindo para outro cômodo e finalmente entrando no banheiro.
Larguei minhas roupas no piso frio e preparei meu banho.  Enfiei-me, então, dentro da banheira. A água lavou meu corpo, tirando todos os vestígios do acidente inoportuno.
Eu sentia uma ligeira vertigem, uma fraqueza anormal.
Será que eu dera muito sangue àquele homem?
Eu precisava alimentar-me logo, estava faminta e pela primeira vez em tanto tempo eu me incomodei com o cheiro que o sangue exalava. Eu podia quase sentir o fluxo daquele líquido no corpo daquela mulher na sala com Ethan, meus próprios lábios poderiam estar ali, degustando daquele alimento tão necessário e viciante.
Não! Isso era dependência demais. Eu não era mais essa pessoa, o que diabos estava acontecendo? Por que meu controle fugia tão facilmente?
 Levantei minha mão lentamente e gotinhas de água movimentaram-se juntas, formando uma só gota que levitava há alguns centímetros da minha mão.  
Magia.
Talvez esse fosse meu problema. Fitei meu reflexo na água e tudo o que vi foi meu rosto. Olhei atentamente, concentrando-me como eu costumava fazer há séculos. Não sabia porquê fazia isso, mas dizem que nada é por acaso e acredito fortemente nisso. Nesse mundo não existia acasos, apenas linhas interligadas, destinos traçados nas estrelas.
Lutar contra aquilo afetava gerações e mais gerações.
Saí de minhas divagações e observei meu rosto ser substituído por outro, os cabelos ali já não eram ruivos, mas loiros. A face da garota era jovem e alegre, com olhos azulados realmente penetrantes.
– Nick! – uma voz gritou.
Percebi que Ethan estava a minha frente, assustado. E segurava-me pelos ombros.
– O que diabos você está fazendo?
Percebi que eu havia agarrado meu pulso direito com a mão esquerda e o perfurei com minhas unhas. Agora a água estava pintada de vermelho. Ótimo, mais sangue perdido.
– Não é nada – comecei a dizer, saindo da banheira e procurando uma toalha por lá. – Eu preciso caçar.
Ele ainda olhava-me desconfiado, mas o que eu poderia fazer? Revelar meus poderes? Dizer sobre a garota misteriosa que eu vira?
Eu não fazia ideia de quem ela era, no entanto eu tinha certeza de que todas as sensações que eu sentira nos últimos dias foram por causa dela.
Sem que eu pudesse perceber, Ethan puxou-me na sua direção e fitou minha pele machucada, que agora se curava numa velocidade rápida.
– Nick – a voz de Ethan era doce e calma – o que está havendo? Eu a conheço há tanto tempo e nunca a vi dessa forma. Você é perfeita e nunca esteve tão suja e ferida quanto nesta noite.
Fitei o chão, incapaz de mirá-lo nos olhos.
– Não está acontecendo nada, Ethan.
Ele bufou e ergueu meu queixo com uma das mãos, forçando-me a encará-lo. Ele era alto demais, com olhos azuis que liam minha alma. Senti-me exposta, como se todos os meus segredos estivessem sendo lidos por aquele vampiro.
– Você é uma péssima mentirosa.
– Na verdade, meu querido, você que é incrível em descobrir mentiras.
Ele sorriu, era o tipo de reação que todo humano tinha e eu invejava aquilo ao ouvir minhas ironias e piadas. Ethan era mais novo do que eu e ainda não perdera suas emoções e sentimentos.
– Você ainda irá me dizer a verdade, Nick, mais cedo ou mais tarde – Ethan sussurrou e beijou minha testa levemente – é só uma questão de tempo.

***

Eu estava faminta. Acabara de entrar numa boate qualquer e minha vitima estava ali. Qualquer um serviria para mim agora. Comecei a fitar a todos e então senti uma fragrância conhecida.
Virei-me e dei de cara com Lorena rindo animada com um loiro bonitinho. Ele a fitava encantado e eu poderia jurar que Lorena o enfeitiçara com compulsão.
– Hey, Nick! Por que não se junta a mim e ao Luke? – Lorena falou piscando e rindo sedutora.
A minha amiga tinha um tipo de beleza óbvia e encantadora. Seus cabelos loiros eram enormes e caiam pelas suas costas, os olhos cinzentos eram vivos e lindos. Ela parecia uma princesa. O cara com ela, no entanto, parecia mais um bad boy qualquer, loiro, bonito, brincalhão, o tipo de cara que toda garota sonha em um dia ter. Sinto pena, até o final da noite sua vida seria sugada por Lory.
– Não desta vez, Lory – falei distraída, negando sua oferta e voltei a procurar alguém que me servisse de alimento.
Fui até o bar e sentei-me. Minha cabeça doía e eu precisava de sangue urgentemente.
Um homem sentou-se ao meu lado e ficou olhando-me com um sorriso idiota no rosto. Pelos poderes de Morgana! Eu tinha a maior sorte do mundo, eu queria paz e vinha sempre um para atrapalhar-me.
– Posso te pagar uma bebida?
“Claro, meu querido, será que eles vendem sangue?” pensei ironicamente e olhei para o homem, finalmente percebendo que sua presença poderia ser útil a mim.
Ele era um tipo de homem descontraído, vestia uma camisa social simples e aparentava ter seus trinta anos.
– O que acha de pularmos a bebida? – falei sedutoramente e sorri maliciosa.
Juro que quase caí da cadeira, eu queria rolar no chão de tanto rir, simplesmente porque ele mal conseguia acreditar no que eu dissera.
E ele não tirava os olhos do meu decote
– Hmm, certo, então o que quer fazer?
– Quero sair daqui, ir a algum lugar mais... privado. 
– Então vamos, princesa – o homem foi logo dizendo, oferecendo a mim sua mão e me levou até o lado de fora da boate.
Andamos apenas alguns metros até ele puxar suas chaves do bolso e me apontar seu carro. O estacionamento estava vazio. A música alta ainda tocava lá dentro e nenhum humano chegaria tão cedo até aquele lugar. Nada de câmeras. Nada de testemunhas.
– Acho que prefiro tomar um ar – falei em alto e bom som, caminhando lentamente até ele.
Meu salto batia no chão de leve e não fazia som algum. Ele não parava de olhar para minhas pernas.
– O quê?
– Quero aproveitar essa noite tão linda – sussurrei perto dele e beijei seu pescoço delicadamente.
Ele relaxou, aproveitamento aquele prazer repentino e rápido. E eu mordisquei sua pele. Ele mal percebeu quanto o mordi. Meus caninos perfuraram sua pele e o homem não teve tempo de reagir. Eu apenas o drenava rapidamente, sentindo a força voltar a circular pelo meu corpo.
– Pare! – ele gritou, tentando fugir, mas eu era mais forte.
Não existia mais fraqueza.
Todos deveriam alimentar-se, isso fazia parte do ciclo da vida.
Meu único crime é meu alimento proibido. No entanto, havia duas escolhas. O crime ou a morte definitiva.
– Descanse em paz – murmurei e peguei o corpo do homem, levando-o comigo.
Essa era a parte que eu mais odiava, ter que esconder seu cadáver. Se eu simplesmente o deixasse ali, eu iria expor não só a mim, mas a todos.
Kate. Lory. Ethan.
– Impressão minha ou você acabou de matar um cara? – uma voz contestou-me e virei-me instintivamente.
Lorena fitava-me com interesse e levemente surpresa.
– Sangue fresco é importante, Lory, eu já lhe disse isso antes.
– Eu me lembro, na verdade eu tomo isso como filosofia de vida, mas pensei que você tinha parado de consumir sangue fresco.
Lorena sorriu, lambendo os lábios e mostrando uma face de inveja, era óbvio que ela sentia o cheiro de sangue no ar.
– Eu nunca parei.
– Mas está se alimentando com frequência ultimamente.
– Vá divertir-se com aquele garoto, como era mesmo o nome dele? Luke!
– Luke não é alimento, Nick, é companhia!
– Certo, só não se esqueça de algo – falei aproximando-me da loira e a fitando uma seriedade incrível – Anthony pode ser um ser desprezível, mas tenho certeza que ele não aceitaria bem uma traição. Apenas não provoque nada perigoso, quero ficar em Noctem por mais algum tempo.
Lory arfou, percebendo que eu tinha razão e fitou-me com certa irritação.
Mas aquilo era a pura verdade, um vampiro traído era capaz de qualquer coisa e eu não queria ter que defendê-la eventualmente.
Noctem era uma cidade incrível, fácil de encobrir nossos passos e um ótimo lugar para encontrar diversão.
Senti uma movimentação atrás de mim e girei o corpo. Ethan estava a pouquíssimos centímetros e sorria para mim.
– Não discutam, meninas – ele falou totalmente sarcástico e exibindo a mim seus caninos. – Olá Lory – disse piscando safado e Lorena limitou-se a sorrir, totalmente enfeitiçada.
– Não apareça desse modo, Ethan – eu disse, perigosamente próxima demais dele. – Eu posso confundi-lo com um caçador.
Meu amigo arfou e percebi que ele ainda temia aquela palavra.
Todos temiam, caçadores eram o tabu de nosso mundo, a palavra proibida, a única que temíamos.
– Precisa para de dizer bobagens, Nick.
– E perder uma das poucas diversões que tenho? Vê-lo assustado como uma menininha é imperdível, meu querido.
Eu ri, virando-me para o cadáver no chão e suspirei.
– Eu livrar-me-ei dele, Nick, ou melhor, nós. Você vem comigo, precisamos conversar a sério.
Ethan Ward numa conversa séria? Isso sim era algo completamente novo! Olhei para o rosto de meu amigo e não havia brincadeira nenhuma em sua face, apenas uma seriedade que não lhe pertencia. Respirei, então, fundo e assenti.
– Nick – Lorena chamou-me e a fitei. – Há algo errado?
Se existia algo que eu realmente apreciava nela era sua preocupação. E isso também me assustava, era como ter duas personalidades diferentes, uma sórdida e outra puritana. Minhas amigas eram caixinhas de surpresa.
– Espero que não. – Falei e me despedi.
Ethan pegou o corpo e jogou em suas costas largas e então saímos de lá, deixando Lorena para trás com suas infantilidades e complexos de índole.
Finalmente meu poder retornara, nada como uma dieta apropriada.
No entanto, eu não fazia ideia do que aquele simples ato iria causar.
Eu acabara de cometer um erro, algo que afetaria minha vida e que me levaria mais perto para meu destino.
E agora Ethan estava ali, todo preocupado e misterioso, ele iria insistir no que acontecera na banheira?
Eu teria que contar sobre minhas visões?
E afinal, quem era aquela garota loira que eu vira no reflexo da água?
Uma alucinação?
Ou uma visão verdadeira?   







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