25 outubro, 2011

Cap. 1 - A estrada em que estou



Capítulo 1
A estrada em que estou


Primeiro uma sensação angustiante de dor e, em seguida, o relaxamento. Os lábios dele tocavam minha pele, seus dentes a perfuravam e o veneno entrava.
“Você é uma humana excepcional, Dominique” a voz dele era tão doce que me atordoava e ao ouvir suas palavras arrepiei-me ligeiramente.
Eu aceitara seu acordo, iria tornar-me um monstro sugador, algo que eu repudiara certa vez. Mas agora aquela oferta era tentadora, eu não queria a morte, queria a vida, queria a vingança.
A mão dele pousava na minha cintura delicadamente e eu secretamente sentia minhas faces coradas. Aquele homem era o começo da minha nova vida, no entanto, apenas uma página daquele longo livro que seria minha vida.
Se eu soubesse o que me aguardava, teria feito essa escolha?
Trevas e sangue estariam sempre comigo, como sempre estiveram. Fugir disso seria uma loucura, seria impossível.
No entanto esta história não é só sobre mim e minhas escolhas, há outras vidas mais trágicas e importantes do que a minha.
Eu nasci para manter o equilíbrio do mundo e esse era meu destino.
  
Abri os olhos, podendo então fitar o céu negro e todo sombrio. Já fazia horas em que eu estava ali, apenas fitando o pôr do sol e o cair da noite. Eu não entendia o motivo para eu ficar revendo tanto minhas lembranças. Escolhi as trevas séculos atrás e hoje ainda lembrava-me.
– Socorro!
Paz... por que eu não poderia ter isso? Fazia tanto tempo que eu não a possuía.
As estrelas brilhavam para mim, piscavam e pareciam belas através da minha visão privilegiada. Incrível, o céu era o único que não mudava. Nunca. Depois de eras a Terra era quase irreconhecível. Não havia mais nenhuma carruagem, armações nos vestidos ou bruxas queimadas em fogueiras.
No entanto, as pessoas continuavam as mesmas, ainda havia vícios, fraquezas e sentimentos patéticos e ilusórios.
– Alguém... por favor...
“Os tempos mudam, Srta. Armstrong” eu disse a mim mesma e entornei o copo de wiskey garganta adentro, saindo de minhas divagações enquanto fitava a noite através da janela do quarto.
Líquidos era a minha dieta, raramente algo sólido. E eu tinha que admitir, não me importava com isso. Alimentação era sem dúvida o meu último problema.
Até agora pelo menos.
Meu problema, no momento, tem nome e sobrenome. Katherina Bennett.
Os gritos da vítima de Kate preenchem a casa e se não estivéssemos a mil quilômetros da civilização estaríamos perdidas. Aquela barulheira era ridícula e se aquela garota humana não calasse a boca eu logo a mataria, antes mesmo que ela pudesse rezar por sua alma.
– Kate! – eu grito, obtendo a atenção da morena e ela logo aparece à minha frente.
– Sim?
Katherina era a vampira mais bela que eu já vira em toda a minha existência. Lábios rosados, longos cabelos negros e uma pele pálida e levemente corada nas maças do rosto. Eu ainda via humanidade nela, demais até.
E ainda hoje eu lembro-me de como a conheci, sedenta de fome, descontrolada e com medo de tudo e de todos. Kate era um perigo para si mesma décadas atrás.
– Livre-se da garota.
– Não estou com fome.
– Foda-se. Não sei qual o problema seu e de Lorena, enquanto você as prende, ela as tortura. Brincar com a comida não é algo tão bom assim!
– Acho que todos esses séculos fez mal a você, Nick – uma voz zombeteira falou.
Anthony chegou por trás de mim, tentando tocar minha cintura enquanto eu virava-me e o empurrava sutilmente com todo o desgosto que eu poderia sentir por uma pessoa.
Nada pessoal, mas se eu tivesse que passar toda a eternidade com ele, eu o mataria lentamente com uma estaca de madeira em seu coração, isto é, se ele ao menos tivesse um.
Nada pessoal, como eu já comentei.
– Meus séculos tornam-me uma vampira mais esperta e sexy, querido. Uma vampira mais poderosa do que dois de você – falei sorrindo cinicamente para aquele estúpido.
– Quanto mau humor, isso é falta de sangue.
Estaquei por um momento. Não, sangue nunca foi um problema. Mas havia algo errado ultimamente sim, uma estranha sensação tomava conta do meu corpo frequentemente. Algo que eu nunca sentira, nem mesmo quando eu ainda era uma humana.
– Livre-se da garota, Kate – repeti e saí dali.
“Use ao menos compulsão nela!” transmiti esse pensamento diretamente a Kate e ela assentiu discretamente.
Anthony não fazia ideia do quanto de poder vampiros poderiam ter. Tanto eu quanto Kate estávamos muito a frente dele, e também de Lorena. Katherina era bem mais nova e já dominava seu poder de hipnose, bem como o de ler pensamentos, habilidades importantes e obviamente úteis.
Lorena, no entanto, só desenvolveu sua compulsão, o poder de impor seu desejo sobre os outros, nada mais.
Anthony era novo, a cria mais recente de Lory e seu divertimento. Entretanto ficar perto daquele projeto de vampiro enojava-me. Tony era um ser desprezível demais!
Por que Lorena o transformara? Por que céus? Não bastava sugar toda a sua vida? Seria um belo trabalho à sociedade. E Katherina era tão boba que continuava secretamente encantada por ele.
Eu não a entendia.
Bufei, irritada, e respirei o ar puro da noite. Prestei atenção à brisa, à lua. Hoje era uma noite mística, noite de magia.
Quando me dou conta disso, percebo o quanto gosto das minhas habilidades em feitiçarias. É uma vantagem que ninguém pode tirar de mim, algo que nenhuma pessoa, em todo o globo desconfia. A não ser ele. Meu mestre.
Mestre... onde diabos ele estaria? Europa talvez, ignorando minha existência inútil como sempre o fez.
Tento não pensar nisso, pego meu carro e sigo para a cidade. Nossa casa sempre foi afastada, num lugar remoto e raramente frequentado. Isso era necessário para esconder nosso rastro, nossas vítimas. E ainda que eu pudesse correr e chegar rapidamente onde eu quisesse, eu não o faço. Não. Eu prefiro agir como uma humana.
A estrada está escura e sombria como sempre, nenhum carro à vista, nada no meu caminho. Olho-me pelo espelho, dou de cara com olhos azulados.
Cabelos avermelhados.
Pele branca demais, como um cadáver.
Pupilas privilegiadas com uma visão incrível.
Caninos selvagens.
Anormal, era o que eu era, o que não necessariamente significava que eu odiava minha aparência diferente. Poderia me passar facilmente por uma colegial ou uma modelo, mas destaque nunca foi algo que eu procurei. Destaque fora, ironicamente, meu maior problema e a única razão para eu hoje ser o que sou.
“Esqueça o passado, Dominique!” exigi de mim mesma fechando os olhos por um instante.
Não valia a pena lembrar-me daquela época.
Constato isso e abro os olhos rapidamente, e ainda que eu fosse o ser mais rápido em toda a face da Terra, eu não poderia impedir que o impacto acontecesse.
Malditos instintos enfraquecidos, mal consigo ouvir as rodas do outro veículo cantarem na estrada, só consigo virar o carro, mas é inútil.
Com tamanha velocidade o automóvel capotou e senti algo perfurar meu corpo. Um metal furara meu braço, atingindo até mesmo o osso e eu grito de dor.
Sentimentos e sensações, nos vampiros, são ampliados em 100%, é o que dizem.
E odeio isso naquele momento.
Dou um chute na porta e destruo mais ainda o carro, chorando por dentro ao ver minha belezinha destruída. Há sangue meu em tudo quanto é lugar e meu braço dói demais. Olho ao redor e encontro o outro veículo, vou até lá em passos largos somente para procurar o infeliz, corno e idiota que entrou no meu caminho e destruiu meu Porsche, minha preciosidade de 1955.
O outro automóvel está amassado do lado do passageiro e toda a parte da frente, destruída.
Olho pela janela e tudo o que vejo é uma cabeleira negra sobre a face dele.
E então sinto.
Batidas fracas.
Quase extintas, vindas do coração daquele desconhecido.
Puxo a porta rapidamente, desprendendo-a e abrindo-a, percebo que ele está desacordado.
Tiro-o de lá, não me importando com primeiros socorros ou uma possível espinha quebrada.
Ah, Dominique, você é uma estúpida!
Coloco-o no chão e paro para pensar. Eu causei isso, fiquei pensando sobre meu maldito passado e esqueci a estrada.
Mas ninguém vem até aqui!
Entretanto eu fora uma imbecil. Humanos eram frágeis demais, qualquer deslize meu poderia matá-los.
Por que diabos carros existiam? Eu não poderia atropelar ninguém com uma carroça, seria bem mais fácil para não ferir alguém!
Não seria?
Cavalos também, eu poderia ouvi-los de uma distância enorme.
Mas carros não.
Malditos instintos, por que estão falhando?
Isso não deveria acontecer. E nem esse acidente.
Tum-tum. Tum-tum.
As batidas são mais fracas a cada segundo.
Olho suas feições duras, de dor. De novo aquela maldita sensação angustiante vem até mim. O que isso quer dizer? Se ao menos Erik estivesse aqui ele talvez soubesse me responder.  
Ajoelho-me, fito sua pele morena, a barba por fazer.
Sem pensar eu mordo meu próprio pulso e forço meu sangue a entrar na garganta daquele homem, isso o manterá vivo e o curará completamente, remendará até o último osso quebrado que ele possuir.
Não sei seu nome, seu passado. Nada.
Só tenho a certeza de que ele não será mais uma vítima minha, nem morrerá.
Não, meu querido, você não devia ter cruzado meu caminho, mas, por sorte, restituo-lhe a vida.
Posso não ter minha humanidade, mas também não tomarei a dele.
Limpei delicadamente meu sangue em sua boca.
Os olhos abrem-se, revelam-se castanhos, lindos.
Mas ele não me vê, ainda que eu esteja bem a sua frente, uso minha magia. Olhos humanos não podem ver uma vampira invisível, mas ainda assim ele olha bem nos meus olhos e sinto medo de que talvez ele possa me ver.
No entanto é apenas uma impressão. Aquele desconhecido nunca seria capaz daquilo.
Levanto-me e logo já estou longe, ignorando os gritos dele à procura de alguém, bem como seus pensamentos confusos.
“O que diabos aconteceu aqui?” ele perguntou-se, e eu sorri internamente diante daquele situação.
Acabara de dar meu sangue a um homem que eu nunca mais veria e agora estava fraca, sozinha e precisava de sangue. Era irônico isso, para salvá-lo, eu deveria condenar alguém à morte.


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